outonais


 
música Sunny Day Rain, da Hendrickson Road House
xilogravura a cores Guarás, 1945, de Oswaldo Goeldi


Chuva-aqui, que cai de mansinho, é como se… céus sumindo. Múltipla de matizes-e-nuanças, sem dizer que. Então é assim. Que se escorrega pra dentro. Em querença de manter a sagrada permanência outonal
De janela familiar, folhas ventando e trazendo longe de volta aquele compasso de olhar entrando-nas-coisas. Desmedrando as querenças. Achando-se de vida. Num zás as lembranças naturalmente vão-se espatifar sobre as borras de uma ternura por ser. Candente. E lançando-se. Neste mundo farto de espelhos invernosos. Com suas idiossincrasias, ah... A regrar cabedais. Quadriculando existências, paixões, o devir
Mas você, no fim das contas você precisa rir e investir algumas últimas tentativas de esperar que, mesmo no exíguo chão descaminhante, por comer e por pisar, some-se — às migalhas aqui-ali chapiscadas no ar — um ainda movimento faiscador de luz:
perdendo-se, é aí
que você se encontra
lutando e deixando escapar o fio
condutor em meio à crua paisagem que
amarrota até mesmo o que de si
recusa esquecimento e amargor
Entre fracassos que você residua de tempos em sendo(s), ainda assim as imaginaturas de outono — em meio aos rostos cinza-frientos... ah, elas decerto cantarolando — vêm pra desesquecer em você  o que talvez seja possível ainda des...cobrir. De tessituras primaverais
Também não fica sem custo olhar através da janela e sentir as casinhas de telhados azuis tão em falta de. Tantos. Gracejos. Nem as pessoas que, ali dentro, maltrapilham destinos tão sem. Ainda que em dor, pra lá e pra cá elas, as outonais costuradas nas folhagens coloridas de antes, ressurgem... como se, sem mácula, não quedassem de enternecer ressonâncias, querubins. E é que, embora escorregadias, com receio de passo, elas escapolem das margens de uma tristonhice inevitável diante da chuva. Que cai. De nuvens vestidas ou descalças. Dias-após. Como se... clareando tanto quanto embaçando a vista. Em brilhosas eternidades, que pedem. Que você ainda ouça. Ou imagine só:
tem uma cajamangueira bem-aqui,
através da janela,
ou você apenas pressente
um gosto de leite de amêndoas no ar
Pois o que se vê, o que se vê... Vai muito pelo imaginar se vendo. Como se... longe, e tão perto, permanecessem, relutantes, as fagulhas. De esperança. Que te veem tão só
E você vê. A chuva pulsa. Mesmo caindo. No pálido asfalto da vida que é
E assim você sente. Que o outono não se despede das miragens mantidas pros dias de sol raiando. Porvir incandescente. Tanto mais alheio ou caloroso — ele, o outono não cessa de proteger os compassos contra a friúra lancinante, implacável dos dias. Como se... enfim... ninguém se preocupasse mesmo com os estranhos pés que cimentam a chuva de um inexorável dissabor tique-taque. Pessoas, objetos, distâncias
É que assim seguem misturando-se dias em dias. Aos gritos de desespero, de consenso, silenciosos, violentados... transbordando invisíveis ou profundos demais. Pra atreverem nomes, mãos, olhares, caminhaduras que vêm e vão. E que ficam sendo aflitas e indigestas. Mas e se isso agora desimportasse restando mais vivo o que preserva o outono das coisas? Sua euforia, mesmo a grotesca vontade dos quixotescos desvarios, é o que assim agora é e sonha:
uma gatinha de pura lindeza, aqui em cena por simples epifania de olhar,
escapole do colo e vai logo pôr as patinhas
naquela mesma janela que via o céu de-início
em gotejamento de ontens, tristonhos e sem,
mas que encontra nuvens repousando já sua esperança na cajamangueira,
solitária, esbelta, sutil,
como se... recebesse a chuva  em mais uma de suas outonais miragens:
a de cismar devaneio e então resistir
à friagem, cortante, ruidosa,
pra tão só ainda, tocando-se ali de tais patinhas curiosas,
ser e se ir de sempre olhar


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